quarta-feira, 2 de março de 2016

Diário de um aluno


“Reprovei. És um malandro! – disse o meu Pai. Não dás para os estudos – disse a minha Mãe. E eu não sou malandro, nem burro! Ou serei? Realmente eu não estudo muito e não entendo lá muito bem certas coisas que os professores dizem. Mas o meu Pai até gosta que eu vá para o campo com ele. Ainda ontem carreguei sacos para o tractor toda a manhã. Começámos ainda o sol mal tinha nascido e só parámos quando ao meio-dia a Mãe nos chamou para comer o caldo. E trabalhei de boa vontade. O meu Pai disse que eu ajudava mais do que um homem... Então serei malandro? A verdade é que gosto mais de trabalhar no campo do que estar na escola. Não vejo para que servem muitas das coisas que lá se estudam. E depois... os professores não ajudam! No princípio do ano eu julgava que ia conseguir e até ia com vontade. Mas comecei logo a desanimar. Foi lá uma senhora à sala e disse que aquilo ia ser difícil, que muita gente ia reprovar. Só quem trabalhasse muito e tivesse boa cabeça é que conseguia. E ela tinha razão. Comecei a não entender coisas – os professores falam de uma maneira tão difícil! Eu tinha vergonha de perguntar, porque me parecia que só eu é que não entendia. E para além disso, alguns colegas faziam tudo tão depressa! Mas eu, e muitos da minha turma, mal tínhamos começado e já os professores estavam a querer tudo feito. E é aos que fazem bem os trabalhos que os professores ligam mais. Gostam mais deles e é natural. São mais inteligentes, trazem sempre os trabalhos feitos como os professores querem. Estão sempre prontos a responder, levam todo o material que eles pedem. Mas escusavam de nos desencorajar tanto, a nós que não temos tanta cabeça. Falam do que fazemos e de sermos vagarosos, de um modo tão zangado!
Na Páscoa tivemos uma aula de Ciências em que viemos apanhar bichos e os levámos para a sala. Eu lembrei-me de construir umas gaiolas para os grilos e umas caixas para as sardaniscas e as cobras-d’água que apanhámos. Depois até contei sobre esses bichos algumas coisas que tenho visto e que eu sei. Trabalhei com vontade dessa vez. Se fosse sempre assim! O professor até disse Para a brincadeira estás sempre pronto...
Acabou-se. Agora já não há remédio. Certamente para o ano já não posso voltar para a escola. Mas também não sei se me apeteceria. De alguns colegas gosto. Gosto dos recreios, gosto de vir com eles para a rua. E gostava de gostar da escola e dos professores. Mas nunca tive nenhum que gostasse de mim. Porque será?”

Estamos no desenrolar deste período letivo. Esta publicação é para todos nós que temos uma missão na área da educação. Bom trabalho!


Equipa de Educação Especial do Agrupamento de Escolas da Bemposta, PTM


(1)                 Este texto foi construído sobre relatos, feitos por vários alunos, de acontecimentos autênticos ocorridos em escolas portuguesas (autor e data desconhecidos).